04/05/2014
"De bem com a vida" Texto de Leila Ferreira
"A felicidade é a soma das pequenas felicidades. Li essa frase num
outdoor em Paris e soube, naquele momento, que meu conceito de
felicidade tinha acabado de mudar. Eu já suspeitava que a felicidade com
letras maiúsculas não existia, mas dava a ela o benefício da dúvida.
Afinal, desde que nos entendemos por gente aprendemos a sonhar com essa
felicidade no superlativo. Mas ali, vendo aquele outdoor
estrategicamente colocado no meio do meu caminho (que de certa forma
coincidia com o meio da minha trajetória de vida), tive certeza de que a
felicidade, ao contrário do que nos ensinaram os contos de fadas e os
filmes de Hollywood, não é um estado mágico e duradouro. Na vida real, o
que existe é uma felicidade homeopática, distribuída em conta-gotas. Um
pôr-de-sol aqui, um beijo ali, uma xícara de café recém-coado, um livro
que a gente não consegue fechar, um homem que nos faz sonhar, uma amiga
que nos faz rir... São situações e momentos que vamos empilhando com o
cuidado e a delicadeza que merecem -alegrias de pequeno e médio porte e
até grandes (ainda que fugazes) alegrias.
foto: http://weheartit.com
'Eu contabilizo tudo de
bom que me aparece', diz Fabiana, também adepta da felicidade
homeopática. 'Se o zíper daquele vestido que eu adoro volta a fechar
(ufa!) ou se pego um congestionamento muito menor do que eu esperava,
tenho consciência de que são momentos de felicidade e vivo cada
segundo.' Elis conta que cresceu esperando a felicidade com maiúsculas e
na primeira pessoa do plural: 'Eu me imaginava sempre com um homem
lindo do lado, dizendo que me amava e me levando pra lugares mágicos'.
Agora, viajando com freqüência por causa de seu trabalho, ela descobriu
que dá pra ser feliz no singular: 'Quando estou na estrada dirigindo e
ouvindo as músicas que eu amo, é um momento de pura felicidade. Olho a
paisagem, canto -sinto um bem-estar indescritível'.
Uma empresária
que conheci recentemente me contou que estava falando e rindo sozinha
quando o marido chegou em casa. Assustado, ele perguntou com quem ela
estava conversando: 'Comigo mesma', respondeu. 'Adoro conversar com
pessoas inteligentes'. Criada para viver grandes momentos, grandes
amores e aquela felicidade dos filmes, a empresária trocou os roteiros
fantasiosos por prazeres mais simples e aprendeu duas lições básicas:
que podemos viver momentos ótimos mesmo não estando acompanhadas e que
não tem sentido esperar até que um fato mágico nos faça felizes.
Esperar
para ser feliz, aliás, é um esporte que abandonei há tempos. E faz
parte da minha 'dieta de felicidade' o uso moderadíssimo da palavra
'quando'. Aquela história de 'quando eu ganhar na Mega Sena', 'quando eu
me casar', 'quando tiver filhos', 'quando meus filhos crescerem',
'quando eu tiver um emprego fabuloso' ou 'quando encontrar um homem que
me mereça' -tudo isso serve apenas para nos distrair e nos fazer
esquecer da felicidade de hoje. Esperar o príncipe encantado, por
exemplo -tem coisa mais sem sentido? Mesmo porque quase sempre os
súditos são mais interessantes do que os príncipes -ou você acha que a
Camilla Parker-Bowles está mais bem servida do que a Victoria Beckham?
Como
tantos já disseram tantas vezes, aproveitem o momento, amigas. E quem
for ruim de contas recorra à calculadora para ir somando as pequenas
felicidades. Podem até dizer que nos falta ambição, que essa soma de
pequenas alegrias é uma operação matemática muito modesta para os nossos
tempos. Que digam. Melhor ser minimamente feliz várias vezes por dia do
que viver eternamente em compasso de espera."
Texto de Leila Ferreira
Retirado do: http://revistamarieclaire.globo.com/Marieclaire/0,6993,EML1690767-10387,00.html
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